News

Em celebração do dia do Soldado em Brasília, empresários gaúchos são agraciados com a Medalha Exército Brasileiro

Forças Armadas e sociedade civil transportam 3,6 mil toneladas de donativos ao Rio Grande do Sul na maior campanha humanitária já registrada no país

Embraer e FAB colaboram com logística e doações para o Rio Grande do Sul

P-3AM Orion faz primeiro voo com novas asas

ABIMDE coordenou empresas brasileiras na Defence Service Asia 2024

KC-390 Millennium transporta Hospital de Campanha da FAB para Canoas

Hospital de Campanha da Marinha inicia atendimentos no RS nesta quinta-feira (9)

Wednesday, 06 de November de 2024
Home » História » Um dos fundadores da Al-Qaeda conta como se tornou espião do MI5 e MI6

Um dos fundadores da Al-Qaeda conta como se tornou espião do MI5 e MI6

Diversos
Por

bbc9

Aimen Dean é um membro fundador da al-Qaeda que mudou de lado em 1998 e se tornou um espião para os serviços de inteligência e segurança MI5 e MI6. Entrevistado por Peter Marshall, ele descreve os anos que passou trabalhando no Afeganistão e em Londres, sendo um dos principais recursos da luta contra militantes islâmicos.

Bósnia

Dean foi criado na Arábia Saudita, onde a oposição à ocupação soviética no Afeganistão nos anos de 1980 tornou o movimento militar da jihad um conceito nobre. Ele era um adolescente quando a Iugoslávia foi dividida e os muçulmanos bósnios se viram ameaçados pelos nacionalistas sérvios. Ele e um amigo, Khalid al-Hajj – que mais tarde se tornaria o líder da al-Qaeda na Arábia Saudita – se tornaram guerreiros mujahideen.

Aimen Dean- Eu diria que essa foi a experiência mais esclarecedora que já tive. Eu era um “nerd’ que vivia mergulhado nos livros na Arábia Saudita e subitamente me vi nas montanhas da Bósnia armado com um (fuzil) AK-47 e me sentindo muito poderoso – e vivia a sensação de que estava participando da história, ao invés de apenas assisti-la sendo escrita.

E ao mesmo tempo, estar em campos de treinamento militar, recebendo informações sobre combate, tática e manobras militares que eu nunca imaginei que um dia receberia, ao lado de pessoas de diferentes nacionalidades, sendo a única coisa em comum o fato de serem todos muçulmanos. Estávamos lá para participar da jihad (luta de muçulmanos por meios militares ou não com objetivo de defender e/ou impor uma cultura baseada na religião islâmica) em defesa da população bósnia o que foi em si só uma experiência incrível.

BBC – Você não teve medo?

Dean – Cá entre nós, penso que no começo eu tinha mais medo do desconhecido do que do fato de que estava embarcando em uma jornada que poderia terminar com a morte de todos nós.

BBC – Você temia a morte?

Dean – Eu estaria mentindo se dissesse que não temia a morte, mas comecei a ficar em paz com a ideia de que sim, eu estava entrando na Bósnia. E provavelmente eu nunca sairia de lá.

BBC – Você queria o martírio, você queria morrer?

Dean – Sim.

Escola Jihad

Dean – No final do conflito bósnio eu comecei a perceber algo mais entre meus companheiros. Aqueles que sobreviveram começaram a adotar uma atitude mais contrária ao Ocidente, um sentimento antiglobalização de que a comunidade internacional estava conspirando contra os muçulmanos na Bósnia porque a maré estava mudando a favor deles (muçulmanos) – então eles quiseram acabar com a guerra antes que os muçulmanos obtivessem mais vitórias.

Pelo menos essa era a percepção, e com ela acredito que nasceu o sentimento de que o Ocidente estava lutando contra o Islã como religião… e isso levou a mais radicalização o que facilitou a transição, ao passarem de guerrilheiros mujahideens para combatentes jihadistas. A Bósnia foi a escola para muitos líderes talentosos da al-Qaeda. Khalid Sheikh Mohamed (acusado de ser o arquiteto dos ataques de 11 de Setembro) foi um dos que passaram pela Bósnia.

A impressão que eu tinha naquele tempo era que ele estava na Bósnia para descobrir talentos, vamos dizer, para explorar talentos que seriam úteis na luta futura. Eu me lembro de uma das coisas que ele disse – isso foi em um casamento onde estávamos sentados lado a lado: “Bom, a guerra da Bósnia parece estar acabando aqui e, você sabe, o fim está à vista, mas o que vai acontecer depois da guerra? A questão é se vamos vagar pelo mundo de uma batalha sem esperança para outra tentando salvar a população muçulmana, esperando que outros venham colher a recompensa?”

Em outras palavras, disse que iria haver um governo secular que não governaria pelas leis da Sharia. Ele disse que esse ciclo precisava acabar e que precisávamos pensar em outra frente na qual pudéssemos servir o Islã e fazer ressurgir o espírito da jihad no mundo muçulmano. Eu penso que aquele pequeno discurso foi a primeira indicação de que a jihad estava deixando de ser um instrumento para defender populações muçulmanas para se tornar uma forma de derrubar regimes e lutar uma guerra de terror… contra os interesses dos Estados Unidos na região.

BBC – Para se tornarem mais terroristas que soldados?

Dean – Definitivamente.

Se juntando à al-Qaeda

Dean – Eu fui convidado para ir a Kandahar (Afeganistão) basicamente para jurar fidelidade. Como ocorria com todos os que prestavam o juramento, Osama bin Laden concedeu um encontro individual para me receber na organização. Ele disse basicamente que haveria muitos anos de dificuldades e sofrimento e que a causa da jihad não estava começando nem terminaria com ele.

BBC – Você fez o juramento?

Dean – Sim.

BBC – Qual era o juramento?

Dean – “Eu te dou minha fidelidade para lutar a seu lado em bons tempos e maus tempos e lutar a jihad contra os inimigos de Deus e obedecer meus comandantes”.

BBC – O que você fazia enquanto jurava? Ficava em pé? Se ajoelhava?

Dean – Você fica sentado perto dele, no chão, e você coloca a mão sobre um exemplar do Corão e diz o juramento. Os joelhos de um e do outro se tocam, praticamente.

BBC – E imagino que esse foi um momento de mudança.

Dean – Sim, revendo aquele momento, vejo que senti o mesmo pavor do desconhecido que tinha sentido antes da Bósnia.

BBC – Você sabia que estava dando um grande salto?

Dean – Sim.

Afeganistão

Em casa na Arábia Saudita, Aimen Dean havia sido um teórico muçulmano prodígio. No Afeganistão era sua responsabilidade treinar os recrutas da al-Qaeda – muitos do Iêmen – nos princípios básicos da teologia e da história islâmica e nos elementos essenciais da prática religiosa. Isso abriu seus olhos para as diferentes motivações dos jihadistas.

Dean – Não há um processo único de radicalização. Algumas pessoas levam anos para se convencerem a participar da jihad, para outras o processo leva minutos. Algumas pessoas estavam estudando em seminários religiosos – eles são uma minoria, a propósito – e se juntaram. Outras estavam consumindo álcool em clubes noturnos e procuraram redenção no mundo jihadista.Então não há uma jornada clássica, mas sim muitas delas.

BBC – Mas todos eles buscam o martírio?

Dean – Todos eles querem se tornar um mártir e obter redenção em diferentes níveis. Algumas pessoas se aproximam e dizem: “Estou realmente cansado, quero me tornar mártir o mais rapidamente possível”. Outros dizem: “Eu quero me tornar um mártir, mas não antes de tornar um inferno a vida aqui na Terra dos inimigos de Deus”.

Dúvidas

Dean estava em um campo de treinamento no Afeganistão quando aconteceram os atentados a bomba nas embaixadas americanas em Nairóbi e Dar es Salaam em 1998. Ele disse ter se preocupado ao saber que além das 12 baixas americanas, mais de 240 cidadãos locais morreram e 5 mil ficaram feridos.

Dean – Eu acho que foi assim que o horror começou. Foi assim que percebi que se aquele era o início dessa guerra, qual seria o próximo alvo? Argentina, África do Sul, Moçambique? Vamos lutar com os americanos na África para expulsá-los do Oriente Médio ou da península árabe? Não fazia sentido.

Como teólogo passei a questionar a legalidade de todo movimento. Comecei a fazer perguntas. Fui a Abdullah al Mohaja, que era o mufti (teórico) da al-Qaeda… Eu disse: “Não é que eu tenha dúvidas, mas você poderia me iluminar sobre as justificativas religiosas para atacar uma embaixada pertencente ao inimigo causando ao mesmo um grande dano colateral?”

E ele me respondeu: “Veja, há uma fátua (um esclarecimento legal no Islã emitido por um especialista em lei religiosa sobre algo que não esteja tão claro na lei islâmica) produzida no século 13 no mundo muçulmano, que legitima atacar um inimigo mesmo que isso signifique provocar mortes de civis, porque o inimigo os usa como escudos humanos”. E ele disse: “Essa fátua compreende isso e nos dá justificativa, então não há dúvidas sobre a legalidade do que fizemos”.

Então decidi fazer minha própria pesquisa e foi assim que tive um choque. As fátuas tinham sido divulgadas em resposta a questionamentos enviados pelas cidades muçulmanas de Tashkent, Samarkand e Bukhara, no atual Uzbequistão, sobre uma questão particular: “Veja, os mongóis estão invadindo. Toda vez que saqueiam uma cidade, levam uma parcela da população, mil, duas mil ou três mil pessoas e fazem elas empurrarem as torres de cerco contra as muralhas da próxima cidade. Então, devemos atirar em nossos colegas muçulmanos, que estão sendo obrigados a empurrar as torres de cerco até nossa cidade, ou não?”

E a fátua decidiu: “Sim, este é um caso em que os mongóis estão usando civis muçulmanos como escudos humanos para atingir um objetivo militar e se vocês não atirarem neles e o ataque tiver sucesso, vocês acabarão sendo mortos”.

Quando aprendi sobre isso comecei a pensar: “Ok, como fazer para conciliar o preceito dessa fátua que se aplicava a uma situação de vida ou morte, relacionada a um inimigo perverso que usou pessoas como escudos humanos para saquear outro lugar e matar cada homem, mulher e criança naquela cidade, com o que aconteceu em Nairóbi e na Tanzânia? Não há nenhuma semelhança entre as duas situações.”

BBC – E essa fátua baseada em torres de cerco de 800 anos atrás é usada para justificar atos de jihadismo terrorista?

Dean – Sim, para os casos em que resultam em baixas civis.

BBC – Então, isso é importante?

Dean – Não vou dizer que isso tem um fundamento débil. Isso não tem fundamento nenhum. É basicamente um castelo de areia. Dois meses depois eu decidi que queria sair.

Tornando-se um espião

Ainda bem jovem, Dean foi ao Golfo para receber tratamento médico – tendo tomado a decisão pessoal de não retornar. Porém acabou nas mãos do MI6. Em 11 dias, foi convencido. Depois de quatro anos e dois meses como um jihadista, ele aterrissou em Londres em 16 de dezembro de 1998, e as explicações começaram.

Dean – Eu acho que sete meses de explicações, isso foi o necessário para ajudá-los a ter uma visão melhor dessas organizações e quais figuras exerciam influência dentro delas.

BBC – Por você conhecer Osama Bin Laden, Khalid Sheikh Mohamed, Abu Zubeida. Você conhecia todo mundo.

Dean – Sim… depois de sete meses de explicações veio a sugestão: “Que tal você voltar ao Afeganistão e trabalhar um pouco mais para nós?” E minha resposta inequívoca foi: “Sim”.

BBC – O que você fazia?

Dean – Passava informações, esse era meu objetivo primário, coletar o máximo possível de informações – e isso não era uma tarefa fácil, porque você tem que confiar inteiramente em sua memória. Você não pode escrever nada. Tudo tem que ser guardado na memória. E sobre dúvidas morais, só tenho a agradecer meus ex-companheiros por me livrar delas.

Porque quanto mais eu sabia o que estavam planejando – por exemplo, eu estava lá quando a al-Qaeda construía seu primeiro dispositivo químico viável e falavam sobre aquilo com tanta alegria e uma satisfação psicopata… – aí é quando você se pergunta: Por que tenho dúvidas morais de estar espionando?”. Qualquer coisa que eu fizer é justificável diante do que vocês estão fazendo.

BBC – Você tinha que fingir enquanto estava entre eles, obviamente?

Dean – Claro. Eu ainda estava pregando, ainda estava deixando claro o quanto estava comprometido com a causa.

BBC – Porém, isso deve ser complicado, porque se você está pregando está justificando ideologicamente coisas ruins que eles são capazes de fazer.

Dean – Sim, mas no final das contas se você quer pegar ratos, você tem que ir ao esgoto e se sujar.

BBC – Então você ficava se deslocando entre o Afeganistão e a Grã-Bretanha?

Dean – Sim.

BBC – Mas a al-Qaeda sabia que estava mandando você para a Grã-Bretanha?

Dean – Sim, e essa é a beleza disso.

BBC – Então eles pensavam que você estava trabalhando para eles?

Dean – Sim

BBC – Quando na verdade você estava trabalhando para o Ocidente?

Dean – Definitivamente.

Espionando em Londres

Enquanto estava na Grã-Bretanha, Dean deveria vigiar e recolher informações sobre pessoas como Babar Ahmed, um britânico que admitiu fornecer recursos para terroristas, e Abu Hamza, condenado neste ano nos Estados Unidos por apoiar o terrorismo, e Abu Qatada, que foi inocentado de acusações de terrorismo pela Justiça da Jordânia, depois de uma batalha judicial que poderia resultar em sua extradição para a Grã-Bretanha. Ele os vigiava enquanto pregava em mesquitas e sociedades islâmicas.

BBC – Quaias são as dificuldades de estar disfarçado e ser recebido como um membro da al-Qaeda? Você tem que manter o fingimento, falando com as pessoas na mesquita, ou as encorajando a se juntar à jihad?

Dean – Sim, mas há limites. Eu sabia até onde podia ir e incitar. Usava palavras veladas sobre questões gerais, ao invés de fazer algum incitamento específico. Mas a parte mais difícil foi depois de 7/7/2005 (data de três atentados simultâneos realizados no metrô e ônibus de Londres). Foi lá que as leis e regulações sobre incitamento foram endurecidas.

BBC – Você se sente culpado de ter mandado alguém para a jihad?

Dean – Sim.

BBC – Qual é a natureza dessa culpa? É em relação às ações com as quais eles se envolveram ou pelo jeito como terminaram?

Dean – Estou grato que ninguém foi morto. Mas uma pessoa em particular acabou na prisão por um longo tempo.

Salvando vidas

Dean disse ter frustrado ataques envolvendo atentados suicidas a bomba e uso de veneno contra civis. Ele também conseguiu entregar à inteligência britânica planos para a construção de um aparelho que poderia ser usado para um ataque químico no metrô de Nova York. Na ocasião, Ayman al-Zawahiri, o vice de Bin Laden cancelou o ataque.

Dean – Eles teriam usado armas químicas não fosse por Zawahiri ter dito: “Não usem isso”.

Era uma célula que tentava conseguir permissão de Zawahiri dizendo: “Nós estamos com essa arma, sabemos como usá-la, sabemos como instalá-la e temos um alvo para você. É o metrô de Nova York porque acreditamos que há um mecanismo de ventilação que seria o veículo perfeito para espalhar o gás por uma grande rede”.

E Zawahiri disse: “Não, não façam isso porque a retaliação pode sair do controle”.

BBC – Então ele não pensou que seria errado fazer aquilo, colocar gás no metrô?

Dean- Ele parou a ação porque tinha medo de ramificações.

O disfarce de Aimen Dean teve um fim abrupto. Um escritor americano revelou sua identidade com detalhes que poderiam ter sido fornecidos apenas por Dean, há cerca de oito anos.

FONTE : BBC News, via G1

Fonte | Fotos: g1